S. L. C. D. A. D. I. C. E. L. E. parte qualificada nos autos, ajuizou ação
revisional de contrato em face de ITAU UNIBANCO S/A e BANCO ITAUCARD S/A, alegando,
em síntese, ter celebrado contrato de financiamento, perante a ré. Ocorre que
não se encontra possibilitado de solver as todas parcelas contratadas, as quais
contém juros e encargos abusivos e que violam disposições constitucionais e
legais, inclusive o Código de Defesa do Consumidor. Pretende, assim, a revisão
do contrato, excluindo-se os encargos que entendem ilegítimos.
Citada, a ré ofereceu
contestação. No mérito, pugnou pela improcedência do pedido, rebatendo todos os
pontos argüidos pelos autores e defendendo regularidade do contrato em debate,
tendo em vista o princípio do pacta sunt servanda (fls. 52/73). Acostou
documentos. Houve réplica (fls. 82/90).
É o relatório. Fundamento e
decido. O julgamento antecipado da lide é de rigor, nos termos do art. 330, I,
do Código de Processo Civil, tendo em vista a desnecessidade de dilação
probatória em demanda em que se discutem matérias de direito, assentando-se, no
mais, em prova documental. Infere-se da inicial que o autor, na qualidade de
destinatário final de serviço bancário, celebrou com a ré, fornecedora da
referida atividade, contrato de financiamento. Operou-se, pois, uma relação de
consumo entre ambas as partes, a ser regida pelo Código de Defesa do Consumidor
(CDC), conforme pacificado pela Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça: O
Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. Na
vigência desse vínculo, pretende o autor a revisão do contrato de financiamento
celebrado com a adversa, aduzindo uma série de irregularidades, que, em tese,
maculariam a validade do contrato. Analiso as supostas irregularidades
separadamente. Em tal aspecto, inicio a análise a partir das tarifas cobradas
pela parte ré, as quais, como afirmado pela parte autora na inicial, realmente
devem ser excluídas. Isto por três fundamentos. Primeiro, porque representam
serviços não informados previamente ao consumidor, com o devido destaque,
ensejando-se sua não vinculação, nos termos do artigo 46 do CDC. Segundo,
porque não houve prova de prestação dos serviços, numa justa remuneração,
qualificando-se uma situação de abusividade, nos termos do artigo 51, inciso IV
do CDC. E, terceiro, porque os valores cobrados revelaram uma excessiva
vantagem do fornecedor em detrimento do consumidor, nos termos do artigo 51,
inciso IV do CDC. Na verdade, percebe-se que a prática de cobrança de tarifas
funciona como uma elevação do próprio custo efetivo do contrato, que pode ser
qualificada como conduta contrária à boa-fé objetiva. Deverá haver recálculo
das prestações do financiamento, excluindo tais tarifas. Uma segunda questão a
ser colocada diz respeito aos juros. Com efeito, a capitalização dos juros foi
admitida na defesa. Em contratos desta espécie, usualmente, constam duas taxas
de juros: a) mensal e b) a anual. Ora, se não houvesse a incidência
capitalizada dos juros, a taxa anual seria obtida pela simples multiplicação da
taxa mensal por doze. Realizando-se a multiplicação da taxa mensal, verifica-se
que a taxa anual praticada pela instituição financeira resultou num valor
maior, nada mais do que capitalização de juros. Observo que os juros
remuneratórios devem incidir, na vigência do contrato e também durante a mora,
sem a capitalização mensal. O cálculo será efetivado para uma incidência
simples. Não tem incidência a autorização da capitalização prevista nas Medidas
Provisórias n. 1.963-17 e 2.170-36, porque o contrato, apesar de celebrado após
01.3.2000, não dispôs expressamente sobre aquela modalidade de incidência de
juros conclusão extraída também pela não exibição do instrumento. Vale dizer
que na presente decisão não se contraria o entendimento majoritário do Superior
Tribunal de Justiça. Diversamente, aplica-se o mesmo no caso concreto,
concluindo-se pela inexistência de ajuste contratual a autorizar a capitalização
dos juros. Imperioso trazer ao caso a melhor interpretação da cláusula
contratual em favor do consumidor (art. 47 do CDC), na disposição que cuidou
dos juros. O caso sob julgamento cuidou de um "contrato de mútuo" sem
que o consumidor tenha compreendido a prova dos autos leva a tal conclusão que
na vigência do empréstimo ou na mora haveria aquela modalidade composta de
incidência dos juros remuneratórios. Não se pode exigir que o consumidor
presuma a negociação da capitalização porque a referência dos juros é
"mensal" ou diga respeito a uma "taxa efetiva". Nem
tampouco que a conclusão advenha da comparação entre os percentuais de
"encargos mês". A informação ao consumidor deve ser clara, precisa e
adequada (art. 6.º, II, 46 e 54, todos do CDC). Ademais, pesa contra a
legalidade da capitalização dos juros o fato de as Medidas Provisórias 1.963-17
e 2.170/2000 terem contrariado o disposto no artigo 7.º, inciso II da Lei
Complementar n. 95/98. Aquelas medidas provisórias foram editadas para o regramento
da administração de recursos do Tesouro Nacional. A disciplina da capitalização
dos juros em contratos bancários foi matéria estranha ao conteúdo dos aludidos
diplomas normativos. A incompatibilidade denunciada é fundamento bastante para
o reconhecimento, incidental, da inconstitucionalidade das aludidas normas.
Nesta linha: Apelação Cível n. 7.107.935-5, 19ª. Câmara Cível do TJSP, relator
o Desembargador PAULO HATANAKA, julgado em 10.4.2007. Destarte, as prestações
deverão ser calculadas, utilizando-se os juros contratados sem capitalização
mensal (admitida a capitalização anual, porque consagrada no direito
brasileiro). Vencido o problema dos juros, passo à questão da comissão de
permanência. Nesse diapasão, é de se admitir a sua legalidade para os contratos,
notadamente aqueles ajustados após a edição do Código Civil de 2002. Agora,
diante do que dispõe o artigo 406 do Código Civil de 2.002, é possível concluir
que as partes podem contratar juros de mora. Assim, se os bancos podem ajustar
juros acima de 12% ao ano para o período de vigência do empréstimo, também o
podem, pela referida autorização legal, no período da mora. Nesse sentido, a
Súmula 294, do Superior Tribunal de Justiça: Não é potestativa a cláusula
contratual que prevê a comissão de permanência, calculada pela taxa média de
mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato.
Importante salientar, contudo, que a comissão de permanência somente será
admitida a) se prevista no contrato e, como será visto adiante, desde que b)
limitada à taxa do contrato ou à taxa de mercado no período (prevalecendo a
menor). Incide o disposto na súmula 296 do Superior Tribunal de Justiça: Os
juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos
no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco
Central do Brasil, limitada ao percentual contratado. Ademais, observo que a
não cumulação da comissão de permanência com os juros de mora e com a multa
contratual traduz entendimento consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça: É
admitida a incidência da comissão de permanência após o vencimento da dívida,
desde que não cumulada com juros remuneratórios, juros moratórios, correção
monetária e/ou multa contratual (Ag Rg no REsp. n. 887.812-RS, 3ª. Turma, rel.
Min. NANCY ANDRIGHI, julgado em 24.4.2007, DJ 14.5.2007). A parte autora não
poderá ser cobrada com a comissão de permanência cumulada com juros de mora e
multa moratória. Considerando-se o incorreto cálculo promovido pelo banco réu
acerca das prestações mensais do financiamento, a autora não está em mora. Em
outros termos, ao cobrar juros capitalizados e calcular as prestações mensais
incorretamente, o banco réu criou obstáculo para o correto pagamento. Estava
ele (banco credor) em mora creditoris. Nem se diga que a parte autora também
ficou em mora, diante do vencimento da obrigação. O obstáculo para o
cumprimento da obrigação foi criado, diante da cobrança de valores excessivos,
pelo próprio credor. Em precedente do E. Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, Apelação Cível n. 129.529-4/0-00, relator o eminente Desembargador CEZAR
PELUSO, julgado em 25.2.2003, ficou assentado que a cobrança em excesso levaria
à mora de ambas as partes, credor e devedor, eliminando os efeitos de ambas,
inclusive da notificação premonitória: Deveras, se o credor, mediante
interpelação, ou de outra modalidade de recusa formal da prestação oferecida,
exige mais do que lhe é devido, na forma contratual, entra ele em mora
creditoris, a qual de si exclui, no caso, a mora simultânea da promissária
compradora. () Vem daí, em primeiro lugar, que, eliminadas as duas moras, não
se caracterizou inadimplemento absoluto da promissária compradora, à falta de
oferta do saldo exigível, nem o conseqüente direito potestativo do credor de
obter a resolução judicial do contrato. E, em segundo, que a ação é, pois,
improcedente, ficando prejudicada a questão do benefício da justiça gratuita, à
qual valeria à ré se perdesse a causa. Ademais, observo que os pontos fixados
no precedente citado se encontram em harmonia com o sistema normativo de
proteção das relações de consumo. A Constituição Federal e a própria Lei n.
8.078/90 expressam normas protetivas do consumidor, buscando o equilíbrio e a
boa-fé da relação jurídica de consumo. O consumidor é a parte vulnerável e, por
isso, deve ser cobrado pelo fornecedor por uma quantia correta. A cobrança
excessiva pelo fornecedor qualificada como mora creditoris deve traduzir uma
conseqüência que possa favorecer a manutenção do contrato de consumo: nova
constituição em mora do consumidor, renovando-se a possibilidade de pagamento
do valor devido. Em suma, a parte autora somente estará em mora, quando o banco
réu fizer novo cálculo das prestações mensais (um acerto de contas), excluindo
a capitalização e notificando o primeiro a efetivar o pagamento das prestações
que estiverem vencidas. Ficam suspensos os efeitos da mora da autora, em
especial que aquele que dava margem à inscrição do nome do seu nome em cadastro
de proteção ao crédito. Fica deferida a antecipação de tutela para a retirada
do nome da autora no SCPC e SERASA. O eventual pagamento em excesso não será
objeto de restituição, mas sim de compensação de valores. Não há que se falar
em repetição dobrada (art. 42 do CDC). Entendo que a polêmica do assunto
"capitalização de juros e abusividade das cláusulas contratuais"
configura engano justificável. Anoto que todos os valores cobrados (e pagos)
como encargos de mora configuraram um excesso, diante da caracterização da mora
do credor e devem ser computados como crédito do autor. Por fim, os demais
encargos, incluindo-se IOF são devidos. Decorrem da lei e não tiveram a
invalidade demonstrada no curso do processo. Ante o exposto,
Ante o exposto, JULGO
PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para:
a) excluir as tarifas mencionadas na inicial e
determinar o recálculo das prestações do financiamento, respeitando-se os juros
remuneratórios, porém sem capitalização mensal (admitida sua capitalização
anual). Deverá haver um acerto de contas, em que eventual pagamento em excesso
feito pela autora será aproveitado como compensação de prestações vencidas e
não pagas (porque inexigíveis);
b) declarar a ilegalidade da
capitalização de juros. Ratifica-se a decisão da letra anterior, para recálculo
das prestações;
c) declarar a legalidade da
comissão de permanência, porém vedar sua cobrança em patamar superior aos juros
contratados (como juros remuneratórios vedada a cobrança de patamar superior) e
determinar que não seja capitalizada mensalmente e nem cumulada com correção
monetária, juros (remuneratórios, compensatórios ou moratórios) e multa
contratual. Fica claro que, diante da mora do credor, a comissão somente poderá
ser cobrada, nos termos expostos, para o futuro, nunca em relação às prestações
pretéritas;
d) reconhecer a mora do credor, a
impedir a cobrança de encargos moratórios (comissão de permanência, juros,
correção, etc.) das prestações vencidas, declaradas inexigíveis. Somente com o
recálculo e a notificação do autor, será ele constituído em mora;
e) ordenar o cancelamento das
anotações do nome da autora, a título de antecipação de tutela, nos arquivos de
consumo. Expeçam-se ofícios se necessário para imediato cumprimento do item e
desta decisão. O banco réu somente poderá voltar a incluir o nome do autor
naqueles bancos de dados de proteção ao crédito, quando cumprir a sentença e
constituir o consumidor em mora. Em razão da sucumbência recíproca, cada uma
das partes arcará com as respectivas custas, compensando-se a verba honorária,
com a ressalva da gratuidade da justiça. P.R.I.C.
Proc nº 0140247-08-2012 (OBS: decisão sujeita a recurso).